Conto: A Mensagem que veio do Céu

A Mensagem que veio do Céu

            E havia no oceano uma exuberante ilha, com as mais belas paisagens jamais vistas por toda a Terra. No centro dela jazia um velho vulcão extinto há milhares de anos. Próximo ao mar uma pequena vila de pescadores prosperava abundantemente, devido à enorme quantidade de peixes existentes no litoral. Certo dia, porém, ao entardecer um estrondo vindo do céu assustou a todos. Seguiu-se a isso um clarão de proporções gigantescas. Os moradores viram então um Anjo que descia dessa magnífica luz em direção a eles. O Ministro de Deus desceu sobre a praça do vilarejo para pronunciar um dito do Todo-Poderoso aos habitantes daquele lugar, que temerosos pelo acontecimento se ajuntaram ali para ouvi-lo. E disse o Anjo:

            - Eis que o Senhor virá com grande juízo sobre essa nação e despertará o monte adormecido de modo que jorrará fogo consumidor destruindo tudo e matando a todos. Aquele, porém, que quiser se salvar, ajunte-se aos seus companheiros que crerem nessa profecia e construam um só barco, tão grande quanto possa levar a todos quantos habitem nessa ilha. E seja essa a instrução: persevere na obra, porque não sabeis nem o dia nem a hora do juízo de Deus. E aos primeiros sinais de fumaça vindo da montanha, entrei, pois, vós no navio, e ide embora para outra terra. – disse isso e alçou voo retornando aos céus.

            Assombrados com aquelas palavras, homens e mulheres perguntavam-se o porquê de tal sentença. Após muito discutirem, chegaram à conclusão que não havia o que pudessem fazer, a não ser obedecer às instruções que receberam. Quem sabe se Deus se agradasse deles, alcançariam a misericórdia. E assim conversavam entre si:

            - Como vamos construir um barco tão grande para caber todos, visto que somente sabemos fazer barcos pequenos? – perguntou um.

            - E quando vir essa assolação sobre nós, e a nossa população tiver aumentado tanto, que não caibam todos no barco, assim teremos que construir outro maior? – indagou outro.

            - E não é só isso. Como vamos escolher quem vai entrar no barco. Aceitaremos todos? Inclusive os malfeitores que estiverem entre nós? – questionou outro.

            E muitas dúvidas e discussões se fizeram naquele momento. Logo, um dos mais velhos que ali estavam presentes pediu a palavra e falou:

            - Sou um dos mais antigos que vive entre vós, e já vi muita coisa acontecer nessa vida, mas nada comparável ao que vi e ouvi no dia de hoje. Ora, se Deus nos avisou é porque vai acontecer, porque Deus não mente. Se Deus disse para construirmos um barco, é porque teremos tempo para executar a tarefa e habilidade para isso, e ainda mais: é somente isso que vai nos salvar e não outra coisa. E digo ainda, se Ele disse para levarmos todos os habitantes da ilha, então faremos lugar para todos, e todos que acreditarem nessa obra e trabalharem nela certamente serão transformados por Deus, porque o Onipotente não ajuntará homens maus e bons no mesmo lugar para se matarem uns aos outros, então não temos que rejeitar ninguém, porque precisamos de todos os braços fortes e todas as inteligências capazes para essa edificação, pois um navio dessa natureza é complicadíssimo de fazer. Ora, se não sabemos quantos vamos ser no dia do embarque, façamos assim: construamos um corpo principal, e partes flutuantes que possam ser agregadas ao navio, então à medida que o povo aumente em número, faremos esses compartimentos flutuantes tantos quantos sejam necessários, o que será mais fácil e rápido de fazer.

            E essa palavra pareceu boa aos ouvidos de todos, de modo que imediatamente se puseram a trabalhar. A tarefa era mui demorada e extremamente difícil, de maneira que alguns acabaram desistindo de ajudar. O tempo passou e nasceu outra geração de pessoas que não havia presenciado a aparição do Anjo, e estes foram instruídos a cerca daquela profecia, a fim de que ajudassem na construção do navio. E assim sucessivamente outras gerações vieram, de modo que os primeiros habitantes que testemunharam as palavras daquele Anjo acabaram por morrer sem ver o juízo de Deus chegar àquela ilha, mas na esperança de entrar no barco até o último dia de suas vidas. E aquilo que era uma pequena vila de pescadores se transformou numa grande cidade. Muitos séculos se passaram e a profecia que era tradição oral, passou a ser escrita, pois assim todos se lembrariam do texto original de maneira que nenhuma palavra seria alterada. A população em muito aumentou, sendo numerosas as vilas e cidades naquela ilha. A profecia se tornou lenda, de modo que muitos abandonaram a crença, mas outros insistiam na sua veracidade. E há certo tempo aconteceu que na fadiga do dia um dos trabalhadores da obra questionou o seu chefe:

            - Por que nós que acreditamos na profecia e trabalhamos nessa obra temos que nos preocupar com aqueles que não acreditam e nada fazem?

            E respondeu-lhe:

            - Porque essa profecia não é nossa. Ela pertence àquele que desceu dos céus para nos avisar. Pois se Ele não tivesse nos avisado, nem nós poderíamos nos salvar. E nós trabalhamos para todos, quer acreditem ou não, porque outros, antes de nós também trabalharam para o nosso benefício, sem saber se nós acreditaríamos ou não, de modo que qualquer um pode mudar de ideia a qualquer tempo, assim terá lugar também para todos, caso mudem de opinião a tempo.

            E durante os anos que se passavam, acontecia que muitos se dedicavam, e outros não. Muitos trabalhavam arduamente, e outros nada faziam.  Alguns trabalhavam durante anos, mas depois de tanto tempo acabavam desistindo, pois perdiam a fé na mensagem divina, visto que ela não se cumpria. Mas, todos os que trabalharam na obra, enquanto estavam trabalhando, eram transformados em pessoas melhores, abandonando o vício, as prostituições e as ladroíces. Porém, os que abandonavam a edificação perdiam a força que os mantinham na vida de retidão, e acabavam por retornar às velhas práticas mundanas.

            Então, certa noite, quanto se completaram exatos 3.333 anos após a Mensagem que veio do Céu ter sido proferida por aquele Ministro de Deus, lá pela meia-noite, o velho vulcão acordou de maneira bem sutil, soltando as primeiras fumaças. Havia, no entanto festa nas cidades e nas vilas da ilha, de modo que a maioria dos habitantes estava bebendo e se divertindo. Outros dormiam e em nada mais se importavam a não ser com as suas próprias vidas. Os crentes na profecia, porém, sempre deixavam alguém de vigília observando o vulcão, quer fosse de dia, quer fosse de noite. Assim, aquele que estava vigiando, logo que viu a fumaça correu e avisou aos outros, de maneira que rapidamente a notícia se espalhou entre eles. Tentaram avisar a todos quantos encontraram pelo caminho, mas muitos rejeitaram o aviso, pois não criam na profecia, atribuindo a fumaça aos espetáculos da festa.

            E de todos os que entraram apressadamente no barco àquela noite, havia homens e mulheres que trabalharam muito na obra, outros que pouco trabalharam, e alguns que nada fizeram, mas que na última hora acreditaram na mensagem profética e correram para se salvar. Porém, houve também poucos obreiros que desistiram na última hora, e abandonaram a sua fé em prol das diversões que eram patrocinadas naquele momento ao longo noite, e não embarcaram.

            O navio partiu rumo ao alto mar, e quando estava longe o suficiente, e em plena segurança, o monte fumegante que se localizava no centro da ilha expeliu fogo e saraiva, destruindo tudo o que havia ao seu redor. Vendo a destruição em curso, os habitantes remanescentes correram para o cais a fim de se salvar, mas não encontraram meio de escapar. E os poucos que conseguiram entrar nas pequenas embarcações individuais, e se lançaram rumo ao mar foram engolidos por ondas gigantes. A ilha explodiu e foi tragada pelo oceano levando tudo e a todos que ali estavam.

Ironicamente no gigantesco barco muitos lugares estavam vagos. A ordem que vinha do Céu precisou ser cumprida à risca, de maneira que o navio zarpou sem esperar por ninguém. Quem embarcou, embarcou. Quem não embarcou ficou para trás. Quanto a todos os que se salvaram, aqueles que tinham mais experiência na obra ocuparam posições de comando no barco, e os outros foram seus subordinados. Havia alegria e alívio a bordo. Todos os que embarcaram foram salvos.

(Extraído do Livro "DEUS é POETA - Contos, Crônicas e Poesias de autoria de Paulo Ricardo Souza Júnior)

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